Paraíba busca inspiração em Pernambuco para a preservação do Engenho Corredor
A restauração do Engenho Poço Comprido, em Vicência, Pernambuco, está inspirando, na Paraíba, o resgate de um dos referenciais mais expressivos da cultura brasileira: o Engenho Corredor, berço do escritor José Lins do Rego, autor de doze romances, um livro de memórias, outro de literatura infantil, mais de mil crônicas, ensaios e relatos de viagens.
A forma sugerida pelos arquitetos Ulysses Mello e Carmen Muraro, vindos do Recife, passa pela pesquisa arqueológica, pela identificação de estilos arquitetônicos com raízes no período colonial e por um processo de revitalização de espaços que estimula a participação popular.
Convidada a mostrar em telão, com gráficos e fotos, fases diversas da recuperação do Poço Comprido, tarefa ainda não concluída, a dupla de arquitetos fez ver que empreitadas do gênero sempre exigem a conciliação de interesses diversos.
No caso, isso significa o respeito a sistemas antigos de edificação, a manutenção de traços originais, o acordo com proprietários e, até, o acolhimento a palpites da comunidade. Dessa última providência pode resultar a melhor destinação possível de qualquer monumento carente da atenção governamental.
Reunida, na semana passada, pelo historiador José Octávio de Arruda Melo, presidente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico da Paraíba (Iphaep), a platéia de Ulysses e Carmen não poderia ser mais adequada ao momento e às circunstâncias.
Ali estavam emissários do governo estadual, uma representante dos atuais donos do Corredor (a também arquiteta Ângela Vieira), o promotor de justiça de Pilar Aldenor Me-deiros, jornalistas familiarizados com o assunto e pessoas ligadas à Fundação Menino de Engenho. Essa entidade foi criada pelo octogenário Heitor Maroja, que morreu há pouco mais de dois anos sem ver a Casa de José Lins restaurada e aberta à visitação pública, tarefa a que dedicou as duas últimas décadas de sua vida.
O encontro do Iphaep serviu, de início, para quebrar algumas arestas e acalmar espíritos geralmente intranqüilos frente ao risco da perda de um patrimônio de valor inquestionável. José Octávio disse que o governador Cássio Cunha Lima percebe a importância histórica e cultural do fictício Engenho Santa Rosa (propagado por José Lins em livros traduzidos para mais de dez idiomas), mas respeita, igualmente, o direito de propriedade.
Ou seja, desapropriação é coisa descartada. Então, tudo caminha para a cessão em regime de comodato. Ângela garante que a mãe, dona Clóris, e os irmãos, todos herdeiros do pecuarista Henrique Vieira, não desprezam a idéia.
Na reunião do Iphaep, chegou a ser discutida, sem maiores progressos, a minuta de um contrato de comodato. O documento exagerava no tempo de cessão do engenho ao governo (50 anos) e era um tanto omisso em relação à recuperação, gerência e destinação do imóvel, finda a restauração com dinheiro do Tesouro do Estado.
Com uma coisa todos concordam: deve-se abandonar a idéia inicial de transformar o Corredor numa pousada, ou hotel-fazenda. Valeu, então, mais uma vez, o exemplo do Poço Comprido, situado no município de Vicência e já inscrito em alguns roteiros turísticos de Pernambuco.
Ali, a população foi ouvida, resultando dessa providência o concurso do Sebrae e de instituições voltadas para o financiamento, o treinamento e a descoberta de vocações que podem ir da culinária ao artesanato.
Qualquer que venha a ser a alternativa de uso do Corredor, uma coisa é evidente. Pela primeira vez, proprietários, governo e segmentos sociais lançam-se numa corrida de bastão contra o tempo.
E, ali, de fato, o tempo urge. Da moita de engenho, que ruiu em 1985, nada mais resta. O bueiro também se foi água abaixo numa das últimas enchentes do Rio Paraíba, elemento da natureza a quem José Lins deu fôlego e vida. Se nada for feito, a Casa Grande, hoje cercada de mata-pasto, perdendo reboco e madeiramento, também terá desaparecido dentro de pouco tempo.
Fonte: Jornal da Paraíba